“Mira la Espana!”, exclamei eu ao chegar à fronteira entre França e Espanha. Virtualmente troquei a cassete da língua francesa para a espanhola, lembrando que a partir de agora é, perdona, qual la direcion para, esquierda, diretcha, rótunda, gracias, tienes uí-fí, etc.
Mas antes disso, muito aconteceu. Ainda em França e com a roda traseira em muito mau estado, só andava o essencial até uma oficina. Apanhei o comboio até Dax, onde confirmei previamente que havia uma Decathlon. Não olhei devidamente para o bilhete que mostrava que havia uma mudança de comboio duas estações à frente. Só reparei na terceira estação, o que me fez ir até ao fim de linha e voltar para trás até à estação onde devia ter saído. Com isto passo a manhã de trás para a frente no comboio e à espera do próximo que só vinha duas horas depois. Uns minutos antes de o segundo comboio chegar, conheço o Alberto, que viajava de bike durante três dias entre Espanha e França e os surfistas Álvaro, Ramon e Javi, também espanhóis e deslocavam-se entre praias de bike, transportando as pranchas nas bicicletas.
O comboio chega e todos os espaços destinados às bikes estavam atolados com pessoas, malas e uma ou outra bike. Separámo-nos cada uma para uma carruagem, mas eu e o Alberto já não tínhamos lugar. No corre-corre, o comboio começa a fechar as portas ao mesmo tempo que soa o apito de que está prestes a arrancar. Estou na última carruagem e vejo o Alberto a entrar duas carruagens à frente, corro na sua direção e sem espaço entro com metade da bicicleta para trancar a porta e vou a correr buscar o atrelado. Com ele em peso, ainda ouço um funcionário da estação “Esse atrelado não é permitido”, está bem está, entro na carruagem, onde o Alberto e o Álvaro ja tinham puxado a minha bike para dentro e o único espaço livre para o atrelado foi em cima de duas bicicletas. Só visto! Num espaço de um metro por dois, estavam 4 bicicletas, 4 pessoas, 3 malas grandes de viagem e 1 prancha.
Durante a viagem falámos da minha aventura. Ri-me com a resposta, quando perguntei, “Então e a tua viagem?”, “Yo soy un mariconço ao teu lado!”. O Alberto ofereçeu-me alojamento caso passasse em sua casa e o Álvaro entusiasmado com a minha história, filmou-me a responder a várias perguntas que o Alberto ia fazendo, pois na sua viagem ia fazendo pequenos vídeos com as pessoas que ia encontrando pelo caminho. Boa viagem a todos!
O comboio chegou finalmente ao destino, em Bayonne e não em Dax, como previ inicialmente, pois com toda a confusão decidi ir ainda mais para sul. Em Bayonne continuava a chover. Equipamento da chuva vestido e lá fui direto à Decathlon. Não tinham rodas de tamanho 29 o funcionário indica-me uma loja de bicicletas e lá fui. Não tinham rodas de tamanho 29. Indicam-me outra loja de bicicletas e ao deslocar-me até ela, sempre debaixo de chuva, a roda da frente fura. A terceira loja tinha rodas de tamanho 29, mas só de gama alta a começar nos 200€! Lembro-me então que passei por uma Intersport, que descartei logo ao início, pois foi onde tinha comprado a roda anterior que só durou 60km. Mesmo assim fui ver o que tinham. Mostraram-me uma roda de qualidade por 86€, “OK, mude-me as peças de uma roda para a outra”, ” Mas hoje é sábado e não fazemos reparações, só vendas”. Lá contei a minha história e o senhor até foi simpático e abriu uma exceção. Problema finalmente resolvido e o furo da roda da frente também ultrapassado, olho para o relógio e já eram 18h. Fiquei por ali.
No dia seguinte em Hendaye, visitei o último castelo francês antes da fronteira, com uma bela vista para o mar e com muitos animais de cimento nas paredes do edifício.
Duas pedaladas depois e estava em Espanha e achei estranho não ter subido grande coisa, pois estava nos Pirinéus.
Em Donostia-San Sebastian, percorri as ruas da cidade até à bonita praia da Concha, que convidava a um mergulho, pois o sol finalmente espreitava e a chuva parou.
Cá de baixo vi um castelo num monte junto à praia e olhando para o GPS o caminho seguia para a frente e pareceu-me uma boa alternativa à estrada principal. Meia hora de subida com alguma inclinação e chego a uma cancela, onde cobravam 2,20€ para passar e visitar o castelo… Volta para trás.
Sigo caminho e começo novamente a subir e percebo que só agora os Pirinéus se começam a revelar. Pelo meio cruzo-me com um casal de portugueses que faziam o caminho do norte para Santiago de Compostela. O dia terminava em Zarautz, onde tomei banho num chuveiro de praia, coisa que já não fazia há três meses.
Acampei com vista para o mar e um pôr-do-sol acolhedor.
Ao segundo dia na Espanha, já eu pensava que me tinha livrado dos Pririnéus, mas este foi o dia das subidas, daquelas bem longas e de primeira mudança. Valeu-me a sombra das altas árvores que cobriam grande parte da estrada e que me acompanhou até ao final do dia.